lunes, 6 de abril de 2009

Aporte


El amigo Carlos Savio nos manda su reseña de "O que a esquerda deve propor"

A esquerda que diviniza

Em um pequeno, porém, brilhante e marcante artigo (Folha de SP, 01/12/98) Mangabeira resume o enredo de um dos mais espetaculares romances da literatura mundial, D. Quixote de la Mancha. Fala-nos de Quixote, um homem franzino, que recusa a inevitabilidade da pequenez e quer ser grande. Ele vê no sacrifício e no enfrentamento o caminho que leva à grandeza. Apesar de suas ilusões, consegue achar alguém que nele acredite; é Sancho que irá se transformar em seu fiel escudeiro, deixando-se seduzir pelas suas fantasias. Convidado para compartilhar grandes aventuras, os dois travam lutas fantásticas, no plano da realidade e principalmente da fantasia. Algumas esse homem sonhador ganha, outras tantas perde e empata em muitas. No final, trazido de volta para casa, "adoece, delira, conclui que se iludira e morre". Antes, no entanto, no decorrer do périplo maravilhoso, Quixote começa a "sanchificar-se" e Sancho a "quixotizar-se". Ambos, afinal, lutam pela mesma coisa, o trabalho do amor e da imaginação diante da morte. Reconhecem o descompasso entre as circunstâncias amesquinhadoras em que todos vivemos e o desejo infinito do infinito. Carrega significado especial para sociedade e cultura como as nossas, que dificultam e desautorizam toda tentativa de virar as costas para que se pode ver e tocar.

Embora este novo livro de Mangabeira seja dirigido ao mundo, é possível que ele tenha sido pensado tendo à sociedade brasileira como horizonte. Em seus trabalhos sobre o Brasil, Mangabeira persevera na idéia de que há um rumo diferente do atual para o país. Mas supõe que uma alternativa nacional só pode vingar à luz de uma ortodoxia universalizante que combata, sem tréguas, a "ortodoxia universal" dominante. Investe, portanto, contra uma vasta literatura que, entre nós, recusa-se a pensar o novo, mesmo que para isso tantas criem moinhos de vento para justificar a ausência da audácia criadora. Não se detém na vertente conservadora, porque essa já capitulou antes mesmo de começar a lutar. Lança-se contra pretensos reformistas, progressistas de toda sorte, falsos revolucionários, que "interpretam" o Brasil com olhos estrangeiros. Mangabeira examina, analisa, faz o diagnóstico, e propõe um esquema de enfrentamento, fundamentado na construção pretérita de sua argumentação teórica. Na melhor tradição do pensamento moderno e contemporâneo, entre os séculos XVII e XIX, propõe ação transformadora, passando ao largo do niilismo pós-moderno.

Advoga, desse modo, a construção de um pensamento radical voltado à imaginação das instituições alternativas, tarefa tão desprezada pelas duas principais correntes teóricas no país. Os formados no âmbito das ciências sociais de corte norte-americano sonham com a repetição de condições e etapas que, no mundo central, conduziram ao desenvolvimento e à superação de estruturas obsoletas. Os que bebem na tradição marxista de extração européia parecem, a cada conjuntura, ou ficarem perplexos com o fenômeno da "reprodução das estruturas" (parece que ad infinitum, diga-se). Ou, então, parecem apalermados pela incapacidade do país trilhar o périplo revolucionário. Entre um limite e outro reina a confusão teórica e a falta de rigor conceitual, enquanto o doente paralisado aguarda soluções que não chegam.

As propostas de Mangabeira visam atingir dois grandes conjuntos de objetivos. De um lado, construir instituições que se abra para o experimentalismo permanente das práticas sociais e, de outro, em decorrência e paralelamente a isso, realizar o mais nobre ideal moderno: engrandecer os homens e as mulheres comuns. Esta obra, uma vez iniciada, permitirá que a esquerda novamente vislumbre a sua grande ambição: tornar a humanidade divinizada - ao invés de apenas humanizar a sociedade.

Carlos Sávio G. Teixeira (cientista político)

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