martes, 9 de noviembre de 2010

Vanguardia regional

Nordeste é a vanguarda de um novo projeto para o Brasil (Diário de Natal)

Não chamem o professor Mangabeira Unger de "otimista" que ele corrige de imediato: "Otimista, não! Eu sou esperançoso". No raciocínio dele "otimismo" é atitude contemplativa, coisa de sonhador; já o "esperançoso" sinaliza para a ação. O tema da esperança de Mangabeira Unger agora é o Nordeste. Ele está esperançoso que a presidente eleita Dilma Rousseff avance mais do que Lula em relação à região. Isso porque ela vai começar já de um patamar confortável deixado pelo presidente Lula - obras, investimentos e inserção da região na agenda nacional. Mas para aproveitar esta oportunidade o Nordeste deve ter uma postura mais afirmativa e seus parlamentares precisam deixar de lutar por bandeiras pequenas no Congresso e abraçar a causa do desenvolvimento da região como projeto nacional. Há todas as condições para que, nesse novo governo, o Nordeste seja a vanguarda de um projeto desenvolvimentista para o Brasil, entende ele. Um otimista diria que este é um pensamento idealista; mas um esperançoso como o professor Mangabeira está convicto de que isso é possível. Professor de Harvard desde 1970, foi ministro de Assuntos Estratégicos de outubro de 2007 a junho de 2009, quando retornou à universidade norte-americana. Elaborou o estudo "O desenvolvimento do Nordeste como projeto nacional", fruto de encontros com autoridades e comunidades da região e que foi aprovado com entusiasmo por Dilma quando ela ainda era ministra. Retornou ao Brasil na reta final da eleição. Nessa entrevista, ele diz porque está "esperançoso" com o Nordeste no novo governo.

Como fica o Nordeste no pós-Lula?

O Nordeste pode tornar-se a vanguarda de um projeto de desenvolvimento do Brasil. Agora, a região precisa deixar de aparecer no imaginário do país como o pobrezinho pedindo uma compensação aqui e outra acolá. Tem é que fazer uma aliança com todas as outras grandes regiões do país. Para, juntos no espaço regional, construir um novo projeto nacional de desenvolvimento. Em vez de aparecer no cenário nacional como o primo atrasado pedindo uma ajudazinha, o Nordeste precisa aparecer como vanguarda da nova estratégia nacional.

Há condições objetivas para isso?

O Nordeste já reúne todas as condições para isso. O Nordeste pode ser uma nova China. Agora, tanto pode ser uma China no bom sentido quanto no mau sentido. No bom sentido será um grande engenho de trabalho e inovação, com todo o crescimento e dinamismo, que me impressionou. E no mau sentido se for apenas um território de trabalho barato. A nós não interessa apostar em trabalho barato e desqualificado. Não prosperaremos como uma China com menos gente. Mas para sermos uma China no bom sentido precisamos ter um projeto para o Nordeste.

Que tipo de projeto?

Um projeto que veja o Nordeste não apenas como um assunto regional, mas nacional. Não há solução para o Brasil sem solução para a região Nordeste. O país está em busca de um novo modelo de desenvolvimento, e esse novo modelo de desenvolvimento tem o seu terreno privilegiado justamente nas regiões menos desenvolvidas do Brasil. Sobretudo o Nordeste, mas também Amazônia e Centro-Oeste.

Políticas setoriais (para agricultura,trabalho, indústria) não podem substituir políticas regionais?

Quando o presidente Lula me chamou para o governo [em 2007] a concepção inicial dele era que eu iria formular um projeto para o futuro, visando o horizonte do Bicentenário. Mas eu concluí que se eu apenas fizesse isso, seria muito grande o risco de ficar o trabalho natimorto no papel. E logo reorientei meu trabalho para um conjunto de ações que antecipassem o novo modelo de desenvolvimento. E passei a avançar nesse rumo em dois planos: o de iniciativas setoriais e o de iniciativas regionais. É importante dizer que em geral as ações regionais não só me entusiasmaram, como tiveram uma ressonância, demonstraram um potencial de progresso superior à maioria das ações setoriais. E uma das razões para isso acontecer é que, enquanto as iniciativas setoriais tratam de uma fatia do mundo, as iniciativas regionais tratam do mundo inteiro. E o mundo inteiro no qual há bases sociais reais: o governo, estado, empresariado, organizações sociais. Que são uma base para apoiar estas iniciativas.

Com Dilma Rousseff, que futuro pode ter o estudo que o senhor deixou?

Em todos os encontros que tive com ela para discutir o projeto ela concordou comigo na ideia central de que as políticas regionais em geral e a política para o Nordeste em particular devem ser encaradas como a construção regional de um projeto nacional, e não como uma distribuição de favores a uma região mais pobre. A minha esperança, então, é que este estudo sirva como uma ponte entre o governo atual e o futuro governo. Dilma Rousseff, ainda quando estava no governo, apoiou com muito entusiasmo o projeto, orientada pelo presidente Lula, mas ela própria convencida da importância e da viabilidade desse projeto. E ela inclusive presidiu várias reuniões de ministros, sobre o projeto, dando apoio.

Qual a importância da bancada de deputados federais para esse projeto?

Nós temos aí um potencial de poder que não se aproveita. Um poder que não se exerce. Veja o seguinte fato interessante: a Amazônia, o Nordeste e o Centro-Oeste juntos têm a maioria esmagadora no Senado federal e também, o que é mais surpreendente, maioria na Câmara dos Deputados. Ninguém imaginaria isso, acompanhando os rumos que toma a política brasileira. Apesar disso, o ambiente que eu encontrei nas bancadas do Nordeste em Brasília foi muitas vezes um clima de lamentação. Em vez de ser a construção coesa de um potencial de poder, a serviço de um determinado projeto, lamentação.